Pobreza até quando?

Regra básica de qualquer manual de administração: para se atingir um objetivo, é preciso estabelecer prazos. A ausência de um deadline significa que a tarefa em questão não é prioritária e, portanto, pode esperar. Não há empresa no mundo que ignore a importância de um bom cronograma, com data de início e fim dos trabalhos, para o sucesso de uma ação. 

Qualquer um pode intuir esse princípio elementar, que se aplica também à nossa vida pessoal. Quando planejamos uma viagem, uma reforma em casa ou a compra de um bem mais valioso, como um carro, um dos primeiros passos é decidir quando pretendemos atingir nossa meta. Sem um prazo, é mais difícil se organizar financeira e até psicologicamente. 

Pergunte a qualquer liderança política, empresarial e social se ele ou ela concorda que o Brasil deve fazer o possível para erradicar a pobreza. Tenho certeza de que quase todos responderão que sim. Questione então qual prazo mais adequado para o país dar conta desse objetivo: dez anos, quinze, cinquenta? A resposta provavelmente será o silêncio.

Por que não estipulamos uma data-limite para acabarmos com a pobreza extrema no Brasil, assim como fazemos com quaisquer outros desafios? Vivemos em uma sociedade que estabelece prazos até para a conquista de Marte. O que falta para encararmos o problema da pobreza com a mesma seriedade?

Longe de ser mera provocação, trata-se de uma questão prática. Prazos criam senso de urgência e nos ajudam a entender o quão rápido estamos avançando. Com isso, entendemos também onde erramos e o que podemos aprimorar para nos aproximarmos da meta. 

O Brasil fechou o último ano com um PIB estimado de R$ 8,7 trilhões, segundo o IBGE. O Orçamento do país está na casa dos R$ 4,7 trilhões. A maior parte desses recursos está comprometida, mas ainda assim encontramos espaço para financiar uma série de ações, incluindo as de cunho eleitoral. 

Só há uma conclusão possível: um país que se recusa a atacar de frente suas mazelas sociais, mesmo contando com esse Orçamento, elegeu a pobreza como sua principal política pública. 

A Gerando Falcões deve ser uma das únicas instituições do mundo com prazo de validade. Estipulamos um máximo de cinquenta anos para colocar a pobreza da favela no museu, o que tornará dispensável a nossa própria existência enquanto ecossistema do terceiro setor. Meio século, o tempo de apenas duas gerações. É por isso que temos pressa para encontrar uma solução inovadora, financeiramente viável e replicável em larga escala para um problema que vem assolando o Brasil há séculos. 

Estamos trabalhando para não falhar. Mas, se isso viesse a acontecer, tenho certeza de que outras lideranças apareceriam, com ideias ainda melhores e mais inovadoras que as nossas. A pobreza será vencida, nem que seja pela teimosia heroica do povo da favela.  

O que mais importa é que decidimos encarar de verdade o problema, estabelecendo metas temporais que nos obrigam a agir aqui e agora, em vez de naturalizarmos a pobreza e a desigualdade, tratando-as como coisas fadadas à permanência. 

Essa deve ser a atitude de uma sociedade realmente comprometida com uma agenda social. O combate à pobreza, se for pra valer, precisa de deadline.

*Coluna publicada pelo Jornal O Globo em 02/08/2022

Gostou? Curta, comente e compartilhe!

Edu Lyra Biografia

Comentários