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Transferir renda é pontapé inicial

Desde o encerramento da eleição presidencial, há pouco mais de um mês, um assunto domina o noticiário político brasileiro: a chamada PEC da Transição.

Dado que o orçamento de 2023 já está fechado, o governo eleito negocia saídas para custear alguns investimentos e, sobretudo, para continuar pagando o valor integral do Auxílio Brasil, que agora volta a se chamar Bolsa Família.

Trocas de governo são sempre bons momentos para repensarmos a maneira como conduzimos nossas políticas públicas. O país enfrenta uma crise econômica e social gravíssima, evidenciada pelo número de crianças em situação de pobreza: são mais de 20 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que representa 46% dos brasileiros com até 14 anos.

Frente a isso, é claro que programas como o Bolsa Família precisam ser mantidos e fortalecidos. Mas, se quisermos solucionar de verdade nossa crise social, será que esse tipo de ação é suficiente?

O Brasil consolidou um modelo de combate à pobreza baseado na transferência de renda, e não sem boas razões. São programas que, afinal, tiraram muitas famílias da fome. Mas esse não pode ser o horizonte das nossas políticas sociais.

Renda, por si só, não constrói cidadania. O favelado precisa de soluções integradas, que contemplem emprego, boa escola, acesso à saúde, água encanada, rua asfaltada, transporte de qualidade, moradia digna, espaços de lazer e apoio psicológico – além, é claro, de renda –, para usufruir plenamente da sua cidadania. Programas como o Bolsa Família só focam o último elemento dessa equação.

Mulher e criança, que terão seu futuro afetado pela PEC de Transição, na frente da casa

A PEC da Transição pretende liberar R$ 170 bilhões em 2023 (e, provavelmente, um valor similar nos anos seguintes) para o combate à pobreza. Qual é a maneira mais eficiente de investir esse dinheiro?

A resposta passa, em primeiro lugar, pela reconstrução do CadÚnico (Cadastro Único para programas sociais do Governo Federal), não apenas recompondo sua base de dados, que ficou extremamente desatualizada nos últimos anos, como também aprimorando seu modelo de funcionamento.

Quando bem gerido, o CadÚnico fornece um panorama completo das famílias em situação de pobreza, mas não oferece trilhas de superação desse quadro. A pobreza é um problema multifatorial, mas cada família é atingida de maneira distinta. Para algumas, a principal carência pode ser a falta de qualificação. Para outras, um problema de saúde ou a falta de uma creche, e assim por diante.

A Gerando Falcões tem no Programa Decolagem, lançado em 2021, um exemplo concreto de ação mais focada. O objetivo do Decolagem sempre foi elaborar trilhas individualizadas de combate à pobreza. As famílias participantes respondem a um longo questionário, com mais de 150 perguntas, e, com a ajuda de uma tecnologia fornecida pelos parceiros da Accenture, essas informações permitem indicar quais são as vulnerabilidades mais agudas para cada família e, com isso, um conjunto de soluções possíveis.

Atualmente, o Estado brasileiro é capaz de identificar sintomas e até de fazer um diagnóstico da pobreza, mas falta alguém que receite a medicação correta. É preciso apostar em uma abordagem mais individualizada, de família em família, incorporando o melhor da ciência de dados, para plugar as demandas particulares à capacidade de investimento do Governo.

Só assim poderemos refundar o modelo de combate à pobreza no Brasil.

*Coluna publicada pelo Jornal O Globo em 6/12/2022.

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Edu Lyra Biografia

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