Chance em favela é escolha social
Sexta-feira passada foi o Dia da Favela. A data remete à história do Morro da Providência, no Rio de Janeiro, que no dia 4 de novembro de 1900 se tornou a primeira comunidade chamada de “favela” em um documento oficial.
Mais de um século depois, essa história ainda não teve final feliz. Pelo contrário, os números indicam que a tragédia está se agravando. Em uma década, passamos de pouco mais de 6 mil favelas (2009) para quase 14 mil (2019). O censo deste ano deve revelar um crescimento ainda maior dessas comunidades.
Visto por esse ângulo, o Dia da Favela é um convite mais à reflexão do que à celebração. Reflexão sobre o racismo e a exclusão social, que marcam a história do país. Sobre como as escolhas políticas dos últimos cem anos fizeram com que a sociedade brasileira aceitasse e naturalizasse a existência de territórios nos quais a dignidade humana não está assegurada.
Não é à toa que falo em “escolha”. Cidades como Nova York, Barcelona ou Paris já tiveram favelas. Hoje não têm mais. Qual é o segredo? Em algum momento de sua história, essas cidades decidiram enfrentar de verdade o problema das favelas e, com erros e acertos, venceram a briga. Trata-se, portanto, de uma escolha política: tolerar ou não a extrema pobreza.
Infelizmente, o Brasil ainda não deu esse passo. Só daremos um necessário salto qualitativo na área social quando passarmos a encarar nosso fracasso como um grande desafio coletivo. Nossos péssimos índices de pobreza e desigualdade devem ser motivo não apenas de indignação, mas, principalmente, de mobilização.
O momento é oportuno para esse tipo de debate, pois acabamos de renovar nosso quadro político. O Brasil tem um histórico de políticas sociais vitoriosas, incluindo o SUS, o Plano Real, o Bolsa Família ou, mais recentemente, o Auxílio Brasil. A sociedade brasileira precisa cobrar dos deputados, senadores, governadores e presidente recém-eleitos um grande plano nacional para as favelas, de modo a transformar permanentemente esses territórios.
É possível vencer esse desafio, e não digo isso da boca para fora. O programa Favela 3D, da Gerando Falcões, tem mostrado na prática, com resultados concretos, que podemos articular poder público, iniciativa privada e terceiro setor em torno de uma única agenda transformadora para as favelas.
A Favela Marte, em São José do Rio Preto (SP), pioneira do programa, está passando por uma completa reurbanização. Paralelamente, investimos na capacitação profissional e na geração de empregos, para que o favelado tenha renda própria e possa se emancipar socialmente. Em menos um ano, o desemprego na Marte caiu de cerca de 70% para menos de 7%. O Favela 3D tem provado que os melhores índices de desenvolvimento social do país podem estar em uma favela.
Quem ganha com esse tipo de política não é apenas o morador local, mas toda a sociedade brasileira. As favelas são um polo de criatividade, inovação, cultura e empreendedorismo, abrigando mais de 17 milhões de pessoas. Com uma estrutura urbana digna e as oportunidades certas, essas pessoas podem alavancar o crescimento do país.
Favelas são espaços de potência e oportunidade. Cabe à sociedade brasileira criar estratégias para livrar esses territórios da âncora da pobreza.
*Coluna publicada pelo Jornal O Globo em 8 de novembro de 2022.