Reurbanização e a Medellín pós Pablo Escobar

 

Em síntese, reurbanização é o ato de fazer um novo modelo de cidade, para arrumar as marcas do tempo. Porém, não são apenas mudanças na área da arquitetura. Então, reurbanizar é transformar o meio urbano como um todo, seja pelas suas construções, ações comunitárias ou serviços prestados pelo público e privado.

Também falamos sobre reurbanização no post sobre a história das favelas!

Reurbanização x Urbanização

Em primeiro lugar, é bom falarmos que as urbanizações foram processos que aconteceram depois da revolução industrial, com a debandada da população do campo para as cidades. Como foi algo muito rápido e conturbado, tudo foi feito sem nenhuma estratégia.

Assim, com o passar dos anos e o cenário caótico, surgiu a necessidade de reconstruir as cidades, ou seja, precisava reurbanizá-las. As Américas Central e do Sul, África, além de parte da Ásia, foram as regiões que mais sofreram e, por consequência, as áreas que mais precisam ser reurbanizadas.

Isso porque, na Europa, a revolução industrial começou bem mais cedo do que nos países mais pobres, dando tempo e condições para que as migrações fossem feitas de maneira mais racional e estratégica. 

Mas temos uma “irmã” de continente que tem projetos brilhantes quando falamos de reurbanização. Na Colômbia, algumas cidades foram reurbanizadas depois da guerra contra o tráfico de drogas, dentre elas, a terra de Pablo Escobar, Medellín.

A Colômbia pré reurbanização

Mas, antes de falarmos da nova  Medellín, é importante contextualizar o que era o país de Gabriel Garcia Marquéz  antes do processo de reurbanização.

Os Cartéis de Cali e Medellín

Na década de 70, a Colômbia virou o maior exportador de cocaína do mundo. Os traficantes locais viram no Canal do Panamá uma oportunidade de levar o “ouro branco” de forma rápida e fácil até os EUA. Curiosamente, território que os próprios Estados Unidos ajudaram a tirar da Colômbia, em 1903, após a fatal guerra dos mil dias.

 

reurbanização

 

Enquanto Cali era vista como o território mais violento, o cartel de Medellín ficou conhecido como o mais rico. Liderado pelo traficante Pablo Escobar, ele criou alianças inimagináveis para o mundo do crime, unindo juízes, políticos e empresários em torno de uma frase de Escobar: “promo ou plata” (chumbo ou grana). 

Pablo Escobar e o  cartel de Medellín

O Cartel de Medellín, liderado por Pablo Escobar, foi um marco no mundo do crime. Segundo dados da prefeitura local, de 1983 a 1994, morreram mais de 46.000 pessoas. Além disso, fontes policiais calculam que Escobar foi o responsável por 5.000 destas mortes.

 

 

Na época, a cocaína era consumida por gente da elite americana. No seu auge, “El Patron”, como era conhecido Escobar, e seu cartel eram donos de 80% do mercado mundial de cocaína. Além disso, ele chegou a ganhar U $60 milhões por dia.

Só para ilustrar a força e liderança de Escobar: de 1987 a 1993, “El Capo” figurou 7 vezes na lista dos homens mais ricos do mundo da revista Forbes.

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Segundo matéria do G1, estudos apontam que, na sua primeira aparição, o fluxo de caixa do traficante alcançava U$3 bilhões, com seu patrimônio líquido ultrapassando os U$2 bilhões – o que equivale ao PIB (Produto Interno Bruto) de países como Serra Leoa e Suriname.

Porém, alguns podem dizer até que Escobar “ajudou” no começo da reurbanização de Medellín. Na década de 80, ele sonhava ser presidente da Colômbia. Então, para agradar o povo, entregou cerca de 4 mil casas populares, reurbanizando um lixão da cidade, popularmente conhecido como Bairro Escobar.

Neste período, Escobar tentou ingressar para a política e fez diversas ações sociais em Medellín, sendo visto por muitos como um Robbin Hood. Depois da emboscada que resultou na sua morte, em 2 de dezembro de 1993, cerca de 25.000 pessoas compareceram ao seu velório.

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Plano Colômbia: O início da reurbanização

A morte de Escobar só aconteceu depois que a Colômbia, em união com os Estados Unidos, entrou, literalmente, em guerra contra o tráfico. Assinado em 1999, o Plano Colômbia pode ser colocado – com muitas ressalvas- como o início do processo da reurbanização colombiana.

Eternizado pela série Narcos, da Netfilix, foi um primeiro passo fracassado se analisarmos o lado social e comunitário. Isso porque, apesar de ser um plano bilateral que visava combater as FARC e as guerrilhas da esquerda, ele deixou a sociedade em guerra e desamparada, sem conseguir vencer o tráfico.

Segundo matéria da BBC Brasil, é contestável se os efeitos do plano foram positivos ou negativos:

“Um dos resultados mais alardeados por americanos e colombianos é a redução de quase 50% na área plantada de coca na Colômbia. Apesar dos altos investimentos americanos, a mais vistosa ação antidrogas no continente não conseguiu interromper o tráfico de narcóticos para os Estados Unidos, onde 95% da cocaína consumida ainda tem origem no país sul-americano”.

 

A reurbanização precisava de todos

Para muitos estudiosos, a lição que o Plano Colômbia trouxe para a reurbanização e reestruturação de Medellín é que o processo não poderia ser feito combatendo apenas uma frente. Portanto, não era só acabando com o tráfico e a violência: eles tinham que combater, também, questões estruturais e sociais.

E um dos grandes responsáveis por essa visão e transformação foi o urbanista Gustavo Rastepro, que foi quem comandou a reurbanização de Medellín de 2003 a 2011. Neste período, a cidade passou de um mar de sangue e lama para um exemplo de transporte, urbanismo, limpeza, educação e muito mais.

 

Segundo matéria publicada pelo Diário de Pernambuco, em 2017,o arquiteto relatou os principais desafios de sua jornada:

“O nosso propósito era dignificar a vida do cidadão, melhorando a habitação, as ruas, o meio ambiente e as infraestruturas urbanas. Nos bairros onde a gente melhorava a qualidade de vida das pessoas, o narcotráfico não encontrava espaço e migrava para outros locais da cidade”.

 

No processo de reurbanização, o arquiteto destaca a união de 3 pontos centrais para que a cidade consiga progredir: o sistema público, os técnicos e especialistas em cada área, além, é claro, da população.

As 5 frentes que a reurbanização deve combater

Assim, Gustavo acredita que a base para reurbanizar é pensar a estratégia como um triângulo. Na base, temos o estado e as autoridades técnicas decidindo como o dinheiro será usado de forma racional para atender a comunidade, que é quem está na ponta do triângulo.

 

Segundo o urbanista, a reurbanização de uma cidade ou bairro deve ser feita baseando as suas ações em 5 tópicos. Além disso, os 5 processos devem ser feitos de maneira integrada, pois, se forem feitos de maneira isolada, vai ser um trabalho em vão:

  1. Reurbanização  ambiental

Em primeiro lugar, o processo inclui integrar o meio ambiente para uma melhor qualidade de vida, promovendo um intercâmbio ambiental. Com áreas arborizadas e limpas. Tudo isso, respeitando o ecossistema local e tentando adequar o sistema a ele e não o contrário.

Um exemplo fantástico deste tópico, que temos em Medellín, é o projeto Kapta, onde os moradores ganham pontos ao colocar garrafas plásticas para reciclagem. Ao colocar a garrafa na máquina, o morador consegue bilhetes de metrô, ingressos de cinema, dentre outras coisas.

    2.Respeitando o sistema fluvial

Em segundo lugar, é fundamental respeitar o sistema de vias fluviais da cidade e como ele se conecta e articula. Assim, como na questão ambiental, tentar articular a transformação a partir dele para, literalmente, não nadar contra a corrente.

      3. A questão da moradia

Em terceiro lugar, temos uma questão óbvia, mas primordial para a reurbanização. O ponto que Gustavo destaca aqui é o modo como encaramos a moradia básica. Para o urbanista, não se refere apenas a quantos metros tem o imóvel ou a um lugar fechado para o cidadão dormir. Assim, está incluso: ventilação, iluminação, respeito a quem habita, dentre tantas outras coisas.

     4.Reurbanizar é Ocupar o território

Por ocupar o território, esqueça apenas construir casas, mercados e padarias. Ocupar aqui diz respeito a trazer atividades que enriquecem o convívio social e a qualidade de vida, como: áreas de trabalho, lazer, serviços públicos, além de programas que desenvolvam a comunidade e tragam um censo de pertencimento ao local.

Um exemplo disso são as pequenas bibliotecas distribuídas por toda Medellín. Em diversos bairros das periferias, existem bibliotecas pequenas, mas que atendem a população local, trazendo cultura para todos os polos da cidade.

      5.Uma infraestrutura além do básico.

Aqui, ele bate de novo na tecla sobre o que é o básico. O básico não é tratar o esgoto e pronto. Tratar o básico é tratar o esgoto, trazer água, energia, telefonia e internet. Com isso, estamos falando de trazer uma infraestrutura que permita que a favela funcione de forma integral.

Por exemplo: podemos falar sobre o transporte. Quando falamos em transporte, sempre pensamos em metrôs, trens e ônibus, certo?

Porém, cercada por montanhas, Medellín não podia ficar refém do básico. Por isso, foram construídos teleféricos, que ligam os morros mais altos às partes mais baixas da cidade, trazendo um transporte fácil e ágil para os moradores.

Mas o que a reurbanização trouxe pra Medellín?

Além de tudo o que já falamos no decorrer do texto, há alguns dados marcantes que mostram como a união do estado, privado e população, pode ajuda a  reurbanizar. Então, podemos começar com a violência: Segundo pesquisas locais, em 1990, Medellín tinha 380 mortes, para cada 1000 habitantes. Hoje, são 26 mortes.

Segundo matéria da revista Exame, em 2010, o PIB da região vem crescendo 3% ao ano. Ao mesmo tempo, o desemprego caiu de 12,8% para 9,6%. Além disso, a taxa de pessoas abaixo da linha de pobreza saiu de 25% em 2008, para 14%.

Leia a matéria completa

Então, em 2013, a cidade de 2,5 milhões de habitantes foi eleita a cidade do ano em um concurso do The Wall Street Journal, em parceria com o Citibank. Mas é importante falar que regularmente a cidade vem se destacando nos rankings internacionais de inovação, na frente, inclusive, das nossas capitais.

Redesenho de Favelas: A reurbanização da Gerando Falcões

No final de 2020, o CEO da Gerando Falcões, Edu Lyra, foi até Medellín para ver, ao vivo, todas as transformações da cidade. Posteriormente, voltou pasmo e encantado com os avanços, acreditando ainda mais no projeto do Redesenho de Favelas.

“Eu vi escada rolante na favela, teleférico, biblioteca pública, distribuição de saneamento básico, água potável, gás. Não vi fuzil. Não vi granada. A solução dos maiores problemas não virá de um grupo iluminado, mas da junção de todos nós!” Edu Lyra

Veja o texto que Edu escreveu na Veja São Paulo sobre a reurbanização em Medellín

Em 2021, nós vamos começar a nossa “Medellín”. Na Vila Itália, em São José do Rio Preto (SP), comunidade com cerca de 600 mil habitantes, vamos reconstruir uma favela. Reurbanizar o ambiente, trazendo Dignidade, Desenvolvimento e Transformação Digital.

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Então, nosso projeto será dividido em 3 fases: diagnóstico, cocriação e prototipagem.  Nos primeiros meses, vamos ter uma prévia das maquetes e desenhos do que deve ser construído, com base no diagnóstico que já está sendo feito na comunidade.

Confira também: Bazar GF | violência urbana

 

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