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A digitalização do combate à pobreza

Um país tão desigual quanto o Brasil não pode se contentar apenas com iniciativas pontuais de distribuição da riqueza. Ações limitadas podem melhorar o sono de quem as pratica, mas, enquanto sociedade, a única maneira de combater a pobreza é por meio do esforço coletivo. Precisamos superar a pobreza em escala. Para tanto, porém, devemos enfrentá-la também de forma personalizada. Parece contraditório, mas não é. Essa combinação entre a ação geral e individualizada é justamente uma das grandes novidades da era digital.

Gigantes como Google, Facebook, Amazon e Netflix descobriram e aperfeiçoaram essa fórmula há muito tempo. Por meio de algoritmos, essas empresas estudam os gostos e comportamentos de cada um dos usuários e lhes oferecem produtos e anúncios personalizados. Ora, por que não levar esse conhecimento à favela, para ajudar quem está na linha de frente do combate à miséria?

 

É o que estamos tentando fazer. Na semana em que comemoramos o Dia da Favela, a Gerando Falcões anunciou a criação do programa Decolagem, com uma tecnologia inédita de construção de trilhas individuais de superação da pobreza. O programa, dirigido pela Nina Rentel, é fruto de uma parceria com a Accenture, representada por Leonardo Framil, CEO para a América Latina, um líder que nunca deu as costas para a favela. Trata-se da empresa mais bem preparada para ajudar a favela nessa Missão X. Contamos também com um aporte da Fundação Lemann, de Jorge Paulo Lemann, que me apoia desde quando eu não tinha recursos nem para pagar o aluguel da sede da Gerando Falcões.

Confira nosso post sobre a transformação digital  no terceiro setor

O Decolagem reúne engenheiros e programadores focados na construção de algoritmos que permitam organizar os dados dos moradores das favelas. Queremos colocar nas mãos do terceiro setor o melhor da tecnologia de predição, análise comportamental e gestão de risco, já amplamente usada pelas gigantes do Vale do Silício.

O programa piloto irá reunir, por enquanto, dados de 500 famílias. Nosso objetivo é mapear as vulnerabilidades de cada uma delas. Queremos entender também suas perspectivas, para ajudá-las a aproveitar as oportunidades. Por fim, esperamos identificar antecipadamente situações que pudessem empurrar novamente essas famílias para a pobreza extrema.

O combate à pobreza no Brasil ainda é analógico. Pensamos em grandes programas sociais de transferência de renda – que são necessários, é claro, especialmente em momentos de crise aguda como a que atravessamos –, mas deixamos de refletir sobre um programa da era digital. Ou iremos nos contentar com modelos do século passado?

Contamos hoje com ferramentas que permitem combater a miséria e a desigualdade de maneira muito mais assertiva, com base em um universo de dados inimaginável até pouco tempo atrás. Precisamos ampliar, sim, nossas iniciativas, mas precisamos, sobretudo, de um salto qualitativo de eficiência.

Na Gerando Falcões, trabalhamos para derrubar muros e construir pontes. O programa Decolagem é mais uma dessas pontes, dessa vez entre a favela e o universo dos algoritmos e da tecnologia digital. Juntar criativos, engenheiros e empreendedores sociais pode acelerar o futuro. O povo da favela merece ver a ciência de foguete aplicada no combate à pobreza.

Coluna publicada no Jornal O Globo em 09/11/2021

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