A favela em 5 livros
Favela: Como nasceu? De onde veio?
Aposto que tais questões já passaram pela sua mente. Temos um texto sobre a história das favelas. Mas, se você é daqueles que prefere conhecer a história através da literatura, fizemos uma lista especial, com livros sobre a favela.
Para isso, pegamos 5 livros que explicam as favelas desde os Cortiços do século XIX, até a loucura das favelas de Capão Redondo (SP), no século XXI. No fim, de bônus, ainda vamos trazer uma dica sobre uma livro sobre as favelas cubanas ( os cortiços deles).
Então: Vem com a gente!
Cortiços: A favela antes da favela
Para começar, vamos descobrir como eram as favelas, antes do nome favela entrar para o dicionário (como moradia, pois, a planta Favela, já estava lá).
Assim, nos cortiços do século XIX, viviam milhares de pessoas com as mesmas características das nossas favelas.
Comunidades repletas de diversidade cultural, étnica e com um estilo de vida próprio. Porém, diferente das favelas, os Cortiços tinham – e têm até hoje-, seus donos, que, para muitos, foram os primeiros milicianos do Brasil.
O Cortiço (1890)
Se você quer saber como era a vida das camadas mais pobres nas grandes cidades, antes das favelas, leia o livro naturalista do escritor maranhense, Aluísio de Azevedo. Para escrevê-la, Aluísio se inspirou no Cortiço Cabeça de Porco, demolido em 1893, no Rio de Janeiro. Podemos dizer que foi um dos primeiros livros sobre os primórdios das favelas.
Os cortiços cariocas foram demolidos durante a reurbanização do centro do Rio de Janeiro. Por isso, O Cabeça de Porco, deu lugar ao atual viaduto dos marinheiros, na região portuária do Rio de Janeiro. A reurbanização e a revolta da vacina, foram o que desencadeou a subida dos pobres para as atuais favelas.
Devido aos acontecimentos da época, a habitação destruída pelo então governador, Barata Ribeiro, é conhecida, como, o “avô” das favelas.
O “avô” das favelas, como personagem central da obra
O Cortiço explica as primeiras moradias das classes mais baixas. Nele, vemos desde a ascensão social de seu dono, o português João Romão, até as características de seus moradores: soldados, baianas, homossexuais, evangélicos. Pessoas simples e lutadoras, vivendo em uma comunidade única.
Entretanto, para muitos, o livro expõe uma característica que marca até hoje as favelas brasileiras. Literatos afirmam que O Cortiço, como um todo, é o personagem central do livro. Pois, ali, a vida em comunidade vira uma unidade única, muito parecida com a vida nas favelas brasileiras.
Então, para entender a favela, precisamos entender a Guerra de Canudos e a comunidade criada por Antônio Conselheiro, perto do morro da Favela.
A favela e o seu povo
As favelas são os seus moradores. Você já ouviu essa frase em algum lugar. Mas, como foi a origem dos favelados? Chegaram do nada ao morro e começaram a transformar árvores em barracos?
Se você também tem essa dúvida, veja a relação entre a Guerra de Canudos (1896 a 1897), com as favelas.
Os Sertões (1902)
O jornalista carioca Euclides da Cunha, então repórter do jornal O Estado de São Paulo, vai para o sertão baiano achando que encontraria um bando de monarquistas loucos, que queriam a volta de um rei. Isso, pouco tempo depois da república ser instaurada no Brasil.
Mas o que ele encontra em frente ao morro da Favela, no sertão da Bahia, é uma comunidade evangélica estruturada, que está prestes a ser dizimada pelo exército do sul do país.
Mas tudo começou por causa de madeira. Canudos havia comprado madeira em Juazeiro(BA). A madeira não chegava. Então, Conselheiro fez seus homens irem atrás da madeira e pegá-la à força, afinal de contas, eles haviam pago por aquilo.
A notícia chegou ao Rio de Janeiro. O exército achou que aquilo era uma afronta. Nordestinos queriam destruir a república recém instalada no Brasil.
O confronto final e o nascimento da favela
Resumindo: o governo ficou perplexo por haver uma comunidade tão grande no nordeste, comandada por um monarquista/ evangélico e com dinheiro para comprar tanta madeira.
Foram vários combates. Os nordestinos, entocados, conseguem algumas vitórias. Cansado, o exército coloca um canhão no morro da favela (estamos chegando lá) e dizima mais 25.000 seguidores de Conselheiro.
Dividido em 3 partes: a terra; o homem ; o Confronto, Os Sertões descreve não só a guerra de Canudos, mas a origem árida e tenebrosa dos futuros habitantes do Morro da Providência ( onde nasceu a primeira favela). Nele, vemos o confronto entre o sul rico e o nordeste pobre.
Assim, o jornalista Euclides da Cunha chegou pensando que iria retratar um combate do exército brasileiro com monarquistas bárbaros do nordeste. No final, percebeu que havia presenciado o confronto do “Brasil de cima” x “Brasil de baixo”. O Brasil visível do sul x O Brasil, até então, invisível do Nordeste.
E para conhecer como ficou o morador das favelas de hoje em dia, indicamos um livro que quase ganhou o Oscar.
A favela pelo favelado
Cidade de Deus é um marco. Não apenas por ser o filme que quase levou o Brasil ao oscar, como seu antecessor, Central do Brasil. Mas, por ser um livro escrito por um favelado que, além de viver, estudou as favelas.
Cidade de Deus (1997)
Não é um filme sobre as favelas?
Calma, resolvemos ir pela ordem cronológicas dos fatos. O jornalista e escritor Paulo Lins, escreveu Cidade Deus no fim da década de noventa. Entretanto, Fernando Meirelles trouxe Buscapé, Zé Pequeno e outros personagens da favela carioca para as telas de todo o mundo, em 2002.
Paulo Lins trouxe o favelado para contar uma história da favela. Não sei se você havia percebido, mas, os outros livros que conversamos eram de escritores das classes altas, tentando explicar o Brasil das favelas.
“ Pra gente que morou em periferia, transformar a nossa vivência em literatura, é algo muito interessante. Nós expomos a ferida de outra forma”, disse o escritor, oriundo da favela Cidade de Deus, no programa da SESCTV, Super Libris.
Em entrevista para a revista istoé, o fotógrafo José Wilson dos Santos, relata que Lins usou várias de suas histórias no personagem central do livro, Buscapé. Isso mostra o quanto o autor mostrou a verdade nua e crua daquela Favela.
Cidade de Deus e a literatura marginal
Podemos colocar este livro como um dos marcos da literatura marginal brasileira, que começou na década 70. Porém, nos tempos da ditadura, literatura marginal estava muito vinculada aos autores que escreviam contra o governo militar.
Alguns especialistas não colocam Cidade de Deus neste nicho, devido a Paulo Lins ter estudado e descrito as favelas com aspectos acadêmicos. Apesar disso, ninguém contesta que foi uma obra feita por um favelado, sobre a favela.
A ideia da literatura marginal sempre foi trazer, na linguagem mais simples e usual possível, a literatura para dentro das periferias e favelas. Isso, contando histórias a partir da perspectiva de quem as viveu – ou conviveu. Portanto, a ideia é escrever como se fala, de maneira livre, incluindo o uso de palavrões e acontecimentos que permeiam as vidas nas favelas.
E é nessa linha que entra Capão Pecado, de Ferréz. Foi o autor do Capão Redondo ( SP) quem trouxe para os livros, as favelas de São Paulo.
A favela no Castelo
São Paulo é como um castelo. As favelas ficam perto das marginais, nas beiradas da cidade. Com isso, quanto mais no centro da cidade, menos barracos, periferias e favelas. Assim, São Paulo tem uma estrutura de exclusão social completa.
É como os castelos feudais, com o rei no centro do povoado, enquanto o seu povo, pelas beiradas, pede por dinheiro. Uma cena clássica em vários desenhos da Disney, que é a realidade das favelas da maior cidade do Brasil.
Capão Pecado (2000)
A literatura marginal também representa tudo o que acontece “ à margem” da academia. Quer dizer: todas as obras de pessoas que não estão inseridas nos meios universitários. Foi para falar sobre quem está à margem de todos. Quem está “ da ponte João Dias para cá”. Um termo que Ferréz disse em várias entrevistas, parafraseando a música “ Da ponte pra cá”, de Mano Brown, que o escritor resolveu entrar na literatura.
Assim, para descrever as margens das favelas de São Paulo, nasceu Capão Pecado. Um retrato real de uma das regiões mais violentas da grande São Paulo, e, por consequência, do mundo. Nele, vemos escolas abandonadas, postos de saúde sem remédio, tráfico e tudo o que permeia as grandes favelas.
No triângulo amoroso entre Paula, Riel e Matcherros, Ferréz conseguiu trazer as favelas de Capão Redondo para o mundo. Assim como Aluízio de Azevedo transformou O Cortiço em um personagem, Ferrez fez do Capão Redondo o eixo central de seu romance.
Um livro escrito para o morador da favela
A favela está dentro de Ferréz. Em diversas entrevistas, o escritor relata que começou a escrever por se sentir “excluído” no meio literário. Quando ia em livrarias, ele não conseguia ler nada que se parecesse com as histórias das favelas.
Então, foi por esse sentimento que o jovem da favela do Capão Redondo, pegou um papel e começou a fazer o mapa de sua obra. Ele escreveu todo o triângulo amoroso, colocando aspectos e nuances das vidas nas favelas de São Paulo.
Em Cidade de Deus, Paulo Lins, além de morador, estudou e refletiu de maneira acadêmica sobre sua obra. Ferrez conta uma história do coração, trazendo o ambiente da favela para o cerne da questão. A única preocupação é falar e dizer como o favelado vive e sente.
O autor também se preocupa com o seu público. Capão Pecado fez sucesso entre os jovens das favelas. Isso porque a obra foi escrita com gírias, jargões e situações ligados aos jovens das favelas. Segundo, Ferrez: “ Eu queria que o jovem da favela visse o cara de moto indo pegar a mina depois de um dia de trampo”.
E foi com essa visão que o cubano Pedro Juan Gutiérrez escreveu um dos maiores livros da literatura marginal mundial. Para fechar, como bônus para você que nos leu até aqui, resolvemos trazer uma obra que retrata uma favela de outro lugar do mundo.
Bônus: As favelas do Mundo
Só existem favelas no Brasil? Com esse nome preciso, sim. Mas, uma das magias da literatura é poder viajar para qualquer canto do mundo, gastando muito pouco:
Que tal conhecer como é uma “favela” de outro país?
Então, vamos direto para Cuba, embarcar nas favelas da terra de Fidel Castro: Preparado para conhecer REI-NALDO e a obra de Pedro Juan Gutiérrez ?
O REI DE HAVANA ( 1999 )
Você gostou mesmo desse papo sobre favelas e literatura, né? Por isso, como é clichê, deixamos o melhor para o fim. Não me refiro ao melhor livro, pois, assim como no futebol, não é muito bom discutir gosto literário. Estou falando do prazer de apresentar uma história mágica, curta e contagiante sobre as favelas.
REI-NALDO e as favelas cubanas
Sim, coloquei o hífen para tentar fazer com que você, meu querido leitor, entenda que o título, O Rei de Havana, vem do nome do protagonista. Relaxa, não é por ele ser da monarquia. É apenas um jogo de palavras que Pedro Juan Gutiérrez autor cubano, resolveu usar para dizer que todo cara das favelas tem um rei/ herói dentro de si.
https://www.youtube.com/watch?v=UxNG8vbJA44
Esse livro é importante para entender o quanto a favela e os favelados são universais. Nele, vemos o quanto a pobreza e a miséria absoluta carregam os mesmos traços, independente do local onde a história está sendo narrada.
Garanto que em vários momentos você vai pensar: “ Peraí, isso é uma favela de Cuba ou do Rio de Janeiro?”. Tudo isso, devido às semelhanças que a falta de higiene, alimentação precária e emprego trazem para os favelados.
A ausência materna
Além disso, o Rei de Havana mergulha fundo em uma questão psicológica típica das favelas: os efeitos da ausência paterna e materna. Durante todo o livro, Reinaldo procura uma mulher que seja a cópia de sua mãe, tendo diversas desavenças amorosas.
Outro ponto interessante neste aspecto, são os dois lados distintos do protagonista. Reinaldo é um “Rei” por enfrentar todos os dilemas da vida de frente, sempre lutando pelo que acredita. Por outro lado, é um homem frágil, na busca eterna por aprovação da sociedade e status
Pedro Juan Gutiérrez consegue escancarar a pobreza em sua face mais crua. O livro faz você refletir sobre a condição de vida dos que estão abaixo da linha da pobreza. Porém, ele também mostra a força que esses guerreiros trazem ao traçar suas vidas no meio do caos das favelas cubanas:
Mas, o que é um CoronaVírus para quem nasceu no meio da pandemia eterna das favelas?
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