Chance de ouro
A bola está rolando no Qatar. Para quase todo brasileiro, Copa é sinônimo de casa cheia nos dias de jogo da nossa Seleção, com amigos e familiares reunidos em torno da TV, atentos a cada lance, sofrendo ou explodindo de alegria.
Sempre adorei o período da Copa, e esta edição tem um sabor especial para mim. No próximo sábado, faço 35 anos. É a primeira vez que comemoro um aniversário durante uma Copa – um presente e tanto. Mas acredito que esta competição pode ser um presente para todos nós.
O período eleitoral esgarçou de maneira inédita o tecido social do país. Em uma das minhas colunas recentes, usei o futebol para ilustrar a tarefa de reconstrução que temos pela frente. O brasileiro precisa recuperar a civilidade, voltando a encarar seus adversários políticos ou ideológicos como apenas isto: adversários, não inimigos.
A Copa nos oferece uma tremenda oportunidade. É nesse clima de família reunida em volta da TV que podemos reatar relações com aquela tia ou aquele avô de quem nos distanciamos por conta da polarização. Podemos reatar amizades e afetos preciosos que foram rompidos por razões políticas.
Cercados por gente que amamos, focados no objetivo único de torcer pela Seleção, podemos, enfim, redescobrir o que é ser brasileiro. A tarefa é derrubar os muros de ódio erguidos nos últimos meses e encerrar o ano construindo pontes.
Esse estado de espírito foi muito bem capturado por uma fotografia que viralizou nos últimos dias: Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, frente a frente, compenetrados sobre um tabuleiro de xadrez. A imagem é da renomada fotógrafa Annie Leibovitz e faz parte da campanha publicitária de uma grife de bolsas.
A foto é muito mais do que uma excelente jogada de marketing. Ela também nos traz uma mensagem fundamental para estes tempos.
Os dois craques se enfrentaram ano após ano na busca pelo título de melhor jogador do mundo. Juntos, o argentino e o português já conquistaram 12 vezes a Bola de Ouro. São, portanto, adversários ferrenhos.
Sua excelência em campo tem a ver, em parte, com o reconhecimento da importância do outro. Messi precisa se superar a cada temporada porque sabe que existe um Cristiano Ronaldo no seu encalço, e vice-versa. Bons adversários nos tornam melhores em qualquer tipo de competição, seja no futebol, nos negócios ou na política.
A fotografia de Leibovitz representa um mundo no qual a convivência entre os diferentes é possível. Ela também convida à reflexão: quantos de nós conseguiriam posar para aquela foto? Após um período marcado por tanto ódio, ainda somos capazes de sentar à mesa com nossos adversários? Mais importante ainda: estamos dispostos a dar esse passo?
Não é exagero dizer que o futuro do país depende de como responderemos a essas perguntas. O futebol, com sua capacidade afirmar perspectivas divergentes sem o uso da violência, nos mostra que o caminho do entendimento é possível. A Copa do Mundo nos oferece uma oportunidade para recuperar o respeito, a empatia e a ideia de coletividade. Depende de nós aproveitar essa chance de ouro.
*Coluna publicada pelo Jornal O Globo em 22/11/2022.