Escalando montanhas

“Uma liderança social é como um alpinista escalando uma montanha”. A analogia é de Jorge Melguizo, ex-secretário de Desenvolvimento Social e Cultura Cidadã de Medellín, na Colômbia, cidade que passou por um dos mais arrojados processos de transformação social do continente nas últimas décadas.

De primeira, fiquei intrigado com a comparação. Que relação teria o trabalho de uma ONG, por exemplo, com um esporte radical? Jorge então explicou que, ao desbravar uma montanha pela primeira vez, o alpinista vai fincando grandes “pregos” na lateral da rocha, nos quais ele apoia sua corda e seus equipamentos de segurança.

Terminada a escalada, o que acontece com esses pregos? Permanecem na montanha. Eles servirão agora de apoio para outros aventureiros, que poderão utilizá-los para apoiar novas cordas e, assim, alcançar seus objetivos com mais facilidade.

O alpinista não busca, portanto, apenas uma realização pessoal – ultrapassar seus próprios limites e vencer a montanha. Sua função mais importante é encontrar e construir uma trilha para aqueles que virão depois. É facilitar o caminho de todos os que desejam chegar ao topo, por mais desafiadora que a jornada possa parecer.

Essa talvez seja a mensagem mais importante trazida pela analogia: o líder social não precisa necessariamente chegar ao topo de sua montanha intangível. Ainda que ele falhe, ficam o exemplo e o aprendizado, para que a próxima geração, muito mais bem preparada, possa reiniciar o caminho em direção a uma sociedade mais justa.

A reflexão do colombiano Jorge não poderia ser mais oportuna para nós, brasileiros. Com o crescimento galopante da pobreza, da desigualdade, do desmatamento e de tantos outros problemas, precisamos de agentes sociais com a coragem necessária para desbravar as montanhas mais altas.

A razão é simples: as mazelas sociais brasileiras são tão profundas que apenas projetos ousados, tidos como impossíveis à primeira vista, serão capazes de superá-las. É preciso testar soluções novas e mais eficientes de combate à pobreza. O país não pode se dar ao luxo de comemorar melhorias tímidas, graduais, pois a população da periferia, que voltou a conviver com o espectro da fome, tem pressa.

A Colômbia, terra de Jorge Melguizo, é um bom exemplo de como vale a pena escalar as montanhas mais altas. Medellín já foi uma das cidades mais violentas do mundo. Com políticas públicas inovadoras, apoiadas no incentivo a projetos culturais e na integração com agentes comunitários, os índices de criminalidade caíram drasticamente.

Leia nosso post sobre a reurbanização de Medellín

O Brasil também tem algumas montanhas enormes a serem desbravadas. Quando a Gerando Falcões começou a implementar o programa Favela 3D na comunidade Boca do Sapo, em Ferraz de Vasconcelos (São Paulo), uma das primeiras ações sugeridas pelos moradores foi renomear a favela. O antigo nome feria sua dignidade, sua autoestima.

O novo nome, escolhido por eles, foi Favela dos Sonhos – e penso que não poderiam ter ficado com uma opção mais apropriada. Porque é lá que iremos zerar a taxa de desemprego, a fila nas creches, os índices de analfabetismo. Queremos que as melhores taxas de crescimento de qualquer indicador social do Brasil sejam registradas nos locais impactados pelo Favela 3D. Esse é o tipo de montanha que a Gerando Falcões decidiu escalar.

  • Artigo publicado em 12/04 no Jornal O Globo.

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