Favela, uma nova Amazônia
O mundo se comove com a situação da Amazônia. Com razão: a floresta é uma das mais ricas em biodiversidade, serve de morada a vários povos originários e desempenha papel fundamental na regulação do clima. Se a Amazônia está em perigo, o planeta está em perigo.
Como os países já entenderam essa lição, há engajamento em escala global. O mundo desenvolvido faz aportes milionários para garantir a preservação da floresta e implementa sanções econômicas a quem insiste em lucrar com a destruição do bioma. A Amazônia é percebida como um desafio para a humanidade, e isso une lideranças políticas e empresariais dos quatro cantos do mundo.
A favela precisa se tornar uma nova Amazônia. A comunidade global precisa aprender que a miséria em qualquer parte é uma ameaça concreta à estabilidade do mundo. Logo, a situação da favela é também problema de todos nós.
O mundo ainda não conhece o valor da favela. A periferia tem garra e resiliência contra um Estado que teima em negar seus direitos mais básicos. É criativa, desenvolvendo tecnologias sociais altamente sofisticadas para garantir sua sobrevivência. A periferia gera oportunidades, mesmo em territórios que foram ignorados e segregados durante séculos.
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Assim como lutamos pela preservação da Amazônia, é preciso lutar também pela preservação da vida e da dignidade humana na favela. Não se trata, é claro, de espalhar a miséria, mas justamente de combatê-la, para garantir a sobrevivência física e cultural da população que habita esses territórios. As favelas do Brasil, da Argentina, da Índia, da África do Sul ou de qualquer outro lugar são o coração pulsante da humanidade.
Acabamos de realizar o jantar da Gerando Falcões em Nova York. Com a ajuda dos anfitriões Jorge Paulo Lemann, Claudio Ferro e Carlos Britto, reunimos famílias e empresários interessados na causa da favela e angariamos R$ 3 milhões, que serão integralmente investidos no enfrentamento à pobreza no Brasil.
Só conquistamos esse aporte porque convencemos parte do PIB brasileiro de que a favela é responsabilidade de todos. Essa mensagem ainda precisa alcançar as lideranças do mundo desenvolvido, os bancos internacionais, as grandes fundações. A riqueza do mundo ainda não está unida buscando soluções para o problema da miséria.
Mas sou otimista por natureza. Circula entre tenistas profissionais a ideia de que um dos segredos do campeão Rafael Nadal é a insistência. A cada partida, a cada rally, sua dedicação é tão grande que, em determinado momento, acaba dobrando o adversário.
Gosto dessa anedota porque devemos encarar a favela da mesma forma. A sociedade precisa deixar claro que não desistirá enquanto não transformar a miséria em relíquia do passado. Para nossos planos sociais, organizaremos mais jantares, mobilizaremos mais talentos para o terceiro setor, recrutaremos mais vozes influentes, levantaremos mais recursos.
Precisamos deixar de tolerar o intolerável. Se o mundo pôde se conscientizar a respeito dos problemas ambientais, transformando a Amazônia em preocupação global — mesmo que seus problemas estejam longe de ter sido superados —, podemos fazer o mesmo com a miséria e a desigualdade. Reconhecer o valor da favela significa lutar pela preservação do melhor que a humanidade tem a oferecer.
Coluna, Edu Lyra, 14/09, O Globo.
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