Favela X Israel Tecnologia Social

Inovação por necessidade

Imagine que o bairro onde você mora está cercado por bairros inimigos, com grupos armados até os dentes que só aguardam uma oportunidade para atacar. Não é uma situação muito diferente daquela de algumas favelas brasileiras, territórios de disputa entre facções criminosas. Mas hoje não estou falando de favelas.
Esse bairro tem agravantes. Fica no meio do deserto, sem acesso a terras férteis ou a reserva de água suficiente para matar a sede de todos. Além disso, a população local é pequena, incapaz de sustentar a economia apenas com base no mercado interno.
O bairro é imaginário, mas a situação, não. Essa é a realidade de Israel, de onde escrevo esta coluna. Nessas circunstâncias, o que fazer?

Os israelenses têm a resposta. O país enfrenta há décadas esses desafios, o que lhe permite ter uma visão mais aguçada sobre a importância da inovação tecnológica. Para os israelenses, inovar é questão de sobrevivência.
Tantas coisas surgiram ou foram aprimoradas aqui: o pendrive, o drone, a irrigação por gotejamento, a tecnologia de dessalinização da água do mar, os antivírus para computadores. O que explica essa profusão de boas ideias? É o que vim descobrir, como membro de uma comitiva de brasileiros da Associação dos Amigos da Universidade de Tel Aviv.
A resposta passa pela noção de ecossistema criativo. O povo judeu sempre produziu lideranças fortes, de Moises e Davi até gênios contemporâneos, como Albert Einstein, Hannah Arendt, Anne Frank, Steven Spielberg. Neste século, porém, a inovação não virá de um indivíduo, mas de vários, trabalhando em parceria. Os israelenses compreenderam que o Einstein dos nossos tempos será, na verdade, um ecossistema.

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O governo de Israel cria condições favoráveis ao surgimento desses ecossistemas, a começar pela educação de ponta oferecida à população. Políticas de incentivo ou isenção fiscal, além do investimento direto em ideias promissoras, mantém a pista livre para a imaginação e o apetite empreendedor dos jovens israelenses.
O resultado são os mais de 70 unicórnios do país. Só em 2020, o setor criativo atraiu cerca de US$ 9 bilhões em investimentos estrangeiros. Soluções tecnológicas criadas em Israel estão transformando nosso estilo de vida em todo o mundo – basta pensar em como o aplicativo Waze mudou nossa maneira de dirigir e nossa relação com a cidade. Com o tamanho de Sergipe, Israel compete mundialmente quando o assunto é tecnologia. Tudo o que nasce aqui, nasce para ser global ou não passa da fase de testes.
Essa pujança econômica só existe porque Israel passou a encarar a inovação como questão de sobrevivência. O Brasil, morada de judeus ilustres como Elie Horn, Luciano Huck e a família Safra, tem muito a aprender com seus irmãos israelenses. Não enfrentamos as condições políticas e ambientais do Oriente Médio, mas deveríamos tratar também a economia criativa como uma prioridade. É isso, afinal, que decidirá quais nações irão prosperar pelas próximas décadas, em um mercado cada vez mais dinâmico e digital.
Ecossistemas criativos não ficam prontos do dia para a noite, mas eles podem promover saltos de desenvolvimento econômico e social. Sem isso, é quase impossível sonhar com um Brasil livre da pobreza e da desigualdade.

Coluna publicada pelo Jornal O Globo em 09/05/2022

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