O debate que queremos
O Brasil vive uma das eleições mais tensas e polarizadas da sua história. Para quem duvida, basta assistir a um trecho qualquer dos últimos debates presidenciais. Debates são oportunidades preciosas para a sociedade discutir os rumos do país. É o momento em que o eleitor médio, mesmo aquele meio avesso à política, sintoniza sua TV para escutar o que cada candidato tem a dizer.
No primeiro turno, tal oportunidade foi perdida. O debate de propostas deu lugar a uma sequência de ataques, ao clima de tumulto e a jogos de cena elaborados mais para gerar memes na internet do que para ajudar o eleitor a formar sua opinião. Ocorre que o Brasil atravessa a crise social mais grave das últimas décadas, e a população precisa desesperadamente saber o que será feito, concretamente, para que sua vida melhore.
Logo, esta coluna é uma espécie de presente aos dois presidenciáveis: uma lista de perguntas decisivas para o futuro do Brasil que gostaríamos de ver respondidas nos próximos debates em vez de uma repetição das acusações e ofensas pessoais.
1) O número de favelas dobrou na última década, passando de quase 7 mil em 2010 para mais de 13 mil. Como os dados mais atualizados são de 2019, é certo apostar que esse número deve ser ainda maior. O que o candidato pretende fazer para conter essa escalada da pobreza e, paralelamente, para levar o básico de infraestrutura urbana e social a esses territórios?
2) Segundo levantamento deste ano, 125,2 milhões de brasileiros (mais da metade da população) enfrentam algum grau de insegurança alimentar; cerca de 15% passam fome de fato. O candidato tem alguma proposta para enfrentar esse problema com a devida urgência – não em quatro anos, não em uma década, mas assim que assumir o governo?
3) Dentre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), o Brasil tem a segunda maior população de jovens que nem estudam, nem trabalham. Os “nem-nem” representam 36% das pessoas com 18 a 24 anos. Qual é a proposta do candidato para atrair esses jovens de volta à escola e abrir novos espaços para eles no mercado de trabalho?
4) Estamos no mês das crianças, então falemos um pouco delas: a pobreza infantil bateu recorde em nosso país. 44,7% das crianças com até seis anos vivem em domicílios abaixo da linha da pobreza, segundo levantamento do ano passado. Em números absolutos, são quase 8 milhões de meninos e meninas. Dada a importância da primeira infância para o desenvolvimento físico e psicológico, o que o candidato pretende fazer para que essas crianças não tenham seu futuro roubado de maneira talvez irreversível?
5) Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem quase 30% de sua população abaixo da linha da pobreza, ou mais de 60 milhões de pessoas. O desemprego está na casa dos 9%, e a informalidade atingiu um recorde de quase 40 milhões de pessoas – muitos daqueles que têm uma ocupação continuam em condição precária. O que o candidato pretende fazer para reverter esse quadro, não por meio (apenas) de programas assistenciais, mas com um programa de emancipação, via emprego e acesso a direitos sociais básicos?
A lista poderia continuar, mas encerro com uma última e decisiva pergunta: o próximo presidente, qualquer que seja ele, irá herdar um país profundamente dividido e contaminado pela doença do ódio político. Qual é o plano para reunificar o Brasil?
Em respeito ao povo brasileiro e às próximas gerações, que o segundo turno seja uma oportunidade de assistirmos a esse tipo de debate.
*Coluna publicada pelo Jornal O Globo em 11/10/2022.