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Partiu Marte

No mês que vem, embarco em direção a Marte. Estarei acompanhado por uma tripulação de cerca de 140 pessoas, entre executivos, empreendedores, formadores de opinião, artistas e líderes sociais. A viagem será curta: devemos pisar o solo avermelhado e pedregoso uma hora e meia após a decolagem.

Meu destino é a Favela Marte, em São José do Rio Preto (SP), onde a Gerando Falcões está implementado o programa Favela 3D — digital, digna e desenvolvida. Deixo a conquista do planeta para Elon Musk e seus incríveis engenheiros da SpaceX, dedicados a uma corrida espacial que envolve bilhões de dólares. Nossa corrida é social.

Não temos uma fração da capacidade de investimento de uma Nasa, claro, mas conseguimos costurar um acordo entre o governo de São Paulo, a prefeitura da cidade e a iniciativa privada para financiar o desenvolvimento humano e social daquela comunidade. Serão R$ 52 milhões aplicados com o objetivo central de descobrir maneiras novas e eficientes de superar a pobreza. Tudo decidido com a participação ativa de representantes da favela, que dividiram a mesa de negociações com o governador João Doria e o prefeito Edinho Araújo.

Como o planeta, a favela com chão de terra vermelha oferece um ambiente hostil à vida. Não há água potável nem energia elétrica. Não há saneamento básico, nem espaços que garantam a sobrevivência humana digna. Até a infraestrutura pública se equipara à do planeta — é inexistente.

Ora, é inaceitável que as periferias brasileiras sejam quase tão inóspitas quanto um distante corpo celeste. No projeto da nossa Marte, sob liderança de Amanda Oliveira e Benvindo Nery, os símbolos da pobreza extrema serão derrubados, dando lugar a casas com placas solares, praças com wi-fi, laboratórios avançados de formação humana, espaços de cultura, lazer e esporte. A população terá acesso a cuidados de saúde para a primeira infância, a uma horta urbana, a empreendimentos comunitários.

Porém, antes de aplicarmos o melhor da tecnologia social à transformação da realidade da Marte, é preciso que os atores sociais de fora conheçam como a favela é hoje. Em primeiro lugar, para entender a importância do investimento em políticas de superação da pobreza. Em segundo, para que possam voltar lá em 2023 e avaliar a profundidade das mudanças. Por isso levo uma tripulação tão numerosa.

O Favela 3D, implementado como projeto-piloto, é nossa plataforma de lançamento para a corrida social. Nada contra aqueles que se dedicam à corrida espacial. Pelo contrário, admiro sua ousadia e compreendo a importância dessas empreitadas para o desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade.

Mas é uma questão de prioridades. Em julho de 1969, como mostra o documentário “Summer of Soul”, candidato ao Oscar, os milhares de negros reunidos no Festival Cultural do Harlem estavam mais preocupados com a penúria em que viviam naquela quebrada de Nova York do que com a chegada do homem à Lua.

Aqui e agora é a mesma coisa. Marte, o planeta, pode esperar. Marte, a favela, não. Quem tem fome — de “comida, diversão e arte” — tem pressa.

Coluna publicada no dia 15/02 no Jornal O Globo

 

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