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Violência urbana: uma epidemia eterna?

“Violência é definida como o uso da força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação”.

Essa é a definição que a Organização Mundial da Saúde (OMS) dá à violência. Portanto, a violência urbana é como esse conceito se aplica aos grandes centros urbanos do Brasil e do mundo.

 

Outro ponto que a organização traz é que uma taxa acima de 10 homicídios por 100.000 habitantes é uma característica de violência epidêmica. Segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), em 2019, aconteceram 45.503 homicídios no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 21,7 mortes por 100 mil habitantes.

 Então, não precisamos falar que, se a pandemia do coronavírus assusta o Brasil, a epidemia da violência vem atacando-o há séculos.

Os 3 principais tipos de violência

Antes de falar sobre a violência urbana no Brasil, precisamos entender um pouco os 3 pilares centrais que regem a violência no mundo.

1. Violência direta

Em primeiro lugar, vamos falar sobre a violência direta, a mais visível de todas. É o tapa na cara da criança no coleguinha, o tiro do policial no bandido e o marido espancando a esposa em casa, além da guerra, que é o extremo da violência direta coletiva. 

Porém, é importante ter em mente que essa violência direta é somente a ponta de um iceberg bem profundo. Isso ocorre porque, em todos os exemplos citados, temos problemas relacionados à violência cultural e estrutural.

 2. Violência cultural

Em segundo lugar, temos a violência cultural. Ela nasce a partir dos simbolismos que regem a sociedade, a partir das crenças e costumes de um grupo de indivíduos. Entretanto, ela não está explícita neles, mas, sim, implícita na forma como tais crenças e costumes são usados para justificar formas de violência.

Um exemplo claro é a cena do marido batendo na mulher, que descrevemos no primeiro tópico. O domínio do homem sobre a mulher não se dá só pela questão física, mas, sobretudo, por uma questão cultural. Durante anos, crenças e costumes colocaram o sexo masculino como soberano perante o feminino.

Nesse exemplo, temos as questões ideológica, religiosa e de gênero presentes. Todas essas características inseridas no contexto da violência cultural. Além disso, também entra o jovem negro que já citamos, pois o racismo também é um meio de violência urbana cultural.

3. Violência estrutural

Em terceiro lugar, está o tipo mais indireto de violência, uma vez que não há apenas uma pessoa que provoque esse tipo de violência, mesmo que o resultado seja a morte. Isso porque, na violência estrutural, temos como “personagens” a constituição e a estrutura do sistema.

Nesse ponto entram a fome, desigualdade social, acesso à educação, saúde, transporte, enfim, todos os problemas estruturais que a população das favelas urbanas enfrenta. Quer dizer, o simples fato de viver na estrutura das favelas brasileiras já é um ato de violência urbana contra os seus moradores. Assim, fica claro que o morador da favela sofre com os 3 tópicos da violência, além de vários outros que não descrevemos aqui. 

E essa epidemia começou por volta da década de 40, quando o Brasil começou a sua Revolução Industrial desenfreada.

A Violência urbana começa com a urbanização

Em primeiro lugar, urbanização é o controle e a modificação da natureza pelo homem. Ou seja: toda ação do homem que modificou o ecossistema é considerada como urbanização e, por que não, um modo de violência.

No mundo, ela se intensificou devido à Revolução Industrial. Nesse ponto, entra o motivo da urbanização no Brasil e em países em desenvolvimento ter sido feita de maneira mais abrupta do que na Europa.

O crescimento urbano no Brasil começou em 1940 devido a um processo demorado de industrialização. A vinda da cidade para o campo foi feita de maneira rápida e intensa, o que gerou os aglomerados urbanos divididos por classes sociais, com um “planejamento” de retirada dos mais pobres dos locais centrais da cidade. 

fachada de um prédio sujo e abandonado

Macrocefalia urbana é o nome desse processo. Em resumo, são áreas urbanas com um número de moradores muito superior à sua capacidade de habitação, levando em conta todo o entorno que um ser humano precisa para viver uma vida digna.  

Então, fica fácil entender como começa a violência urbana em seu estágio atual. Com pouco espaço para muita gente, é óbvio que a coisa iria desandar em algum momento. É por esse e outros motivos que alguns especialistas defendem que a violência urbana não é um caso apenas de justiça, mas, também, de saúde pública. 

Nessa epidemia da violência urbana, quem sofre são os cidadãos invisíveis

A violência nos grandes centros urbanos também trouxe uma característica nova para as mortes causadas por atos violentos. Se na violência rural temos a cena clássica do coronel que mata o outro coronel por conta da luta por terras, na cidade grande, vemos o negro, pobre, com menos de 30 anos, morrendo, na maioria das vezes, sem culpa.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2019, 39% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos foram por violência letal. Nos jovens entre 21 e 29 anos, os números variam de 31% a 38%, gerando uma média de 64 jovens assassinados por dia no país. 

E onde entra o negro ?

Pois bem, o negro entra nessa conta do jovem quando analisamos os dados da população negra em geral. Segundo o Atlas da Violência, os negros representam 77% das vítimas de homicídios, com uma taxa de 29 mortes por 100 mil habitantes. Entretanto, entre os não negros, a taxa cai para 11,2 mortes.

Então, o número de negros assassinados é 2,6 vezes maior do que o de não negros. Portanto, no último ano, a taxa de violência letal contra pessoas negras foi 162% maior do que contra o resto da população.

Se juntarmos esses 162% com a alta taxa de mortalidade de jovens, fica claro que o negro jovem, que tem de 21 a 30 anos, tem muito mais chance de sofrer da violência urbana do que o restante da população.

estatísticas de violência urbana no Brasil mostra que 77% dos negros são vitimas de homicídio no Brasil

Eles são uma parcela da população “invisível” da sociedade. Aqueles mesmos que na urbanização foram jogados para cima dos morros ou para as margens das grandes cidades, formando uma espécie de casta social invisível.

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A favela no mapa da violência urbana durante a pandemia

Então, vamos a uma pergunta simples, que não vale R$ 1 milhão, mas ajuda a entender muita coisa: onde mora esse jovem, negro, de classe baixa, com menos de 30 anos?

Se você respondeu na favela, acertou!

Em pesquisa realizada em 3 favelas do Rio de Janeiro, o coletivo Movimento constatou que 83% dos mais de 900 entrevistados ouviram som de tiro dentro de suas casas durante a pandemia. Além disso, 70% deles afirmaram ter ficado a par de operações policiais durante o período.

Entretanto, temos outro dado alarmante que preocupa por ser uma das facetas da violência direta que é muito difícil de ser identificada: 75% dos moradores foram categóricos ao afirmar que a violência doméstica cresceu durante a pandemia.

Outro ponto a ser identificado é a violência estrutural que os moradores das favelas sofrem. A falta de uma estrutura social atrapalha a estrutura psicológica. 76% dos moradores que responderam ao estudo declararam ter algum distúrbio do sono; 43% alegaram ter depressão. Além disso, 34% relataram que a ansiedade é o sentimento mais presente em relação à pandemia.

Quem já conseguiu “controlar” a epidemia da violência urbana?

Na América Latina e no Caribe, há uma média anual de 24 homicídios para cada 100.000 habitantes. Então, mesmo que nossa região tenha tido melhoras no que diz respeito ao PIB e a condições de vida, os números da violência urbana ainda são alarmantes.

Porém, ainda temos cases de sucesso para refletir. Em Medellín, a luta contra o cartel de drogas e reurbanização da cidade fez com que os índices de violência caíssem brutalmente.

Saiba mais sobre o processo de reurbanização de Medellín 

Outro case de sucesso fica em Diadema (SP). Lá, estudos revelaram que boa parte dos crimes aconteciam à noite, em ruas específicas. Além disso, os dados ajudaram a entender que eles estavam vinculados ao abuso do uso de álcool.

Com base nesses dados, a cidade direcionou suas intervenções para as áreas de conflito. Além disso, a prefeitura proibiu a venda de álcool nos bares depois das 23h. Para diminuir a violência urbana, as autoridades também fizeram ações sociais e humanas para conscientizar a população.

Então, 3 anos depois, o número de agressões contra mulheres diminuiu 5%. Já a taxa de homicídios caiu 45%, salvando mais de 100 vidas por ano.

Como a Gerando Falcões está combatendo a violência urbana?

Pois bem, se pensarmos em todas as frentes citadas da violência urbana, a Gerando Falcões tem atuação para aplacar todas elas. Começando com nossas oficinas e unidades aceleradas, que formam e capacitam crianças e jovens para que sigam suas vidas sem flertar com o mundo do crime.

grupo de pessoas sendo acompanhadas pela ong gerando falcões

Em segundo lugar, podemos colocar o exemplo que nossos líderes sociais dão para acabar com os preconceitos e barreiras gerados pela violência cultural. Assim, estamos provando que a favela é capaz de se reinventar.

Por fim, no que diz respeito à violência estrutural, temos o Favela 3D. Dar uma vida digna, digital e desenvolvida para os moradores das favelas é trazer: educação, saúde, reurbanização, em uma parceria na qual os 3 setores da sociedade se unem para trazer a equidade.

Confira também: Favela 3D | Oficinas Gerando Falcões| violência urbana

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Thiago da Costa Oliveira Autor de violência urbana: uma epidemia eterna?

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