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Viva a insensatez

Ouvi do meu amigo Nizan Guanaes, publicitário, empreendedor e grande filantropo, uma frase que me marcou profundamente: “O homem sensato se adapta ao mundo; o homem insensato adapta o mundo”.

Fiquei pensando que grandes ideias, daquelas que transformam completamente a sociedade, já foram um dia consideradas insensatas. Como uma máquina pesando toneladas pode alçar voo e cruzar continentes? Como pode uma pessoa pisar na Lua? Como é possível trocar informações em tempo real com alguém do outro lado do mundo? E, no entanto, cá estamos nós hoje, acostumados com aviões, foguetes e internet.

A insensatez continua a mover a ciência e a tecnologia. Seja na corrida espacial, com a aposta na conquista de Marte, seja na medicina, com pesquisas como a do brasileiro Miguel Nicolelis, que vem encontrando maneiras de devolver os movimentos a pessoas com graves deficiências físicas. São alguns exemplos, dentre muitos outros, de avanços que há pouco tempo pareciam meros devaneios.

É preciso valorizar os insensatos. São eles que criam novos mercados, que geram empregos, que desenvolvem patentes e que atraem investimentos. Seu pioneirismo é um dos caminhos mais certeiros de desenvolvimento econômico e social para um país.

O terceiro setor tem players que estão desafiando o status quo. Mas precisamos ir além. Afinal, acabar com a pobreza, transformando-a em uma relíquia que só pode ser vista nos museus ou nos livros de história, parece um objetivo meio maluco. Mas é exatamente onde devemos mirar se quisermos desenvolver tecnologias sociais mais eficientes, que não se limitem a enxugar gelo.

Quando a Gerando Falcões lançou o programa Favela 3D (Digna, Digital e Desenvolvida), no fundo eu sabia que aquilo era uma tremenda insensatez. Com base em tentativa e erro, nossa ambição era encontrar um caminho novo de erradicação da pobreza. Dois anos depois, após muitos testes, coleta de dados e muito aprendizado, nossa insensatez está gerando frutos.

Quando chegamos à Favela dos Sonhos, em Ferraz de Vasconcelos (SP), a taxa de desemprego local era de 70%. Hoje, esse índice caiu pela metade. Na Favela Marte, em São José do Rio Preto (SP), pioneira do Favela 3D, o avanço foi ainda maior: o desemprego naquela comunidade caiu de cerca de 70% para 19%.

Dignômetro - Gerando Falcões - Imagem 1

Dignômetro - Gerando Falcões - Imagem 2

Até dezembro deste ano, com a ajuda de nossos parceiros do poder público e da iniciativa privada, queremos transformá-las nas duas primeiras favelas com pleno emprego do Brasil.

Com isso, uma ideia que ainda parece insensata vem se provando cada vez mais verdadeira: a pobreza não precisa existir. Com ações coordenadas com a própria comunidade, de dentro para fora e de baixo para cima, estamos provando que territórios negligenciados e estigmatizados podem se tornar exemplos de desenvolvimento social e econômico.

No começo do ano que vem, apostaremos nossas fichas em mais uma insensatez. Em parceria com a Kayma, agência israelense de análise de impacto, lançaremos o Índice de Superação da Pobreza. Esse indicador inédito irá, dentre outras coisas, comparar o avanço social em territórios com e sem o Favela 3D, possibilitando mensurar melhor, de maneira objetiva, o alcance e a eficiência de nossas intervenções.

Como toda grande ideia nova, a erradicação da pobreza parece hoje algo impossível. Mas logo mais os insensatos estarão novamente adaptando o mundo ao tamanho dos seus sonhos.

*Coluna publicada pelo Jornal O Globo em 13/9/2022.

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Edu Lyra Biografia

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